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domingo, 18 de abril de 2010

O Retrato de Mónica


Há dias em que nos lembramos das mulheres ou da mulher e, assim, dei comigo a procurar o conto de Sophia, para reler o «Retrato de Mónica». E a caricatura aparecia na forma de uma mulher sofisticada.


«Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da "Liga Internacional das Mulheres Inúteis", ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria...» (Sophia de Mello Breyner Andresen, Contos Exemplares.Porto, Figueirinhas, 1996 (29ª ed.).)


Mónica: figura condenada a viver dentro de uma imagem criada pela própria personagem. Ela é uma actriz que, na vida real, encarna constantemente o papel da mulher de sucesso, enfim, imposições de uma sociedade moderna que espanta os comportamentos femininos! Da mulher recatada, no aconchego do lar, à mulher moderna, ela transforma-se na imperatriz da futilidade e da sofisticação.


Que importam os pensamentos, os sentimentos vulgares como o amor ou amizade, quando o sucesso reina na imagem da sofisticação? Assim, a nossa Mónica renuncia ao amor, à santidade, à poesia... palavras soltas cujo significado implica sacrifício, dor, sentimento... palavras agastadas e procuradas na tentativa de alcançar a felicidade suprema. A renúncia transporta à aceitação social, no sentido em que se constróem interesses, contratos, laços e nós desfeitos de acordo com as circunstâncias e a aceitação conduz à felicidade social. Estar bem consigo própria sigifica tão-pouco o ser aceite pelo outro.


Actriz em palco da vida, age como marioneta manipulada pelos cordéis dos hábeis dedos da sociedade que impõe as suas ordens: vestir bem, falar melhor, ir a festas, ser vista, ser badalada, ser necessária... Tudo em prol da mudança, tudo em prol de uma nova geração de mulheres activas, tudo em prol da liberdade feminina, tudo para mostrar ao Mundo ou ao Príncipe que já não é necessário beijar a Bela Adormecida para a acordar do seu sono profundo.


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