As conversas soltam-se quando o tempo tem tempo ou quando precisamos de um ''ouvidinho'' que acompanhe os nossos monólogos. Nem sempre queremos que nos respondam, nem sempre queremos que nos dêem conselhos, nem sempre queremos que nos perguntem coisas. Precisamos, apenas, do outro para nos escutar nas nossas catarses e somos nós que nos introspectivamos alheios às sombras que nos rodeiam. Mas há conversas e «conversas». Há as conversas de café, onde trocamos as primeiras (ou as últimas) do dia, as conversas de consultório, onde nos queixamos das nossas dores, as conversas do ''fun club'', quando a anedota se solta, as conversas do tipo ''picar o ponto'', quando relatamos o dia, as conversas de sofá cujo conforto faz avançar as molenguices do pensamento e há as «tais» conversas. Nessas «tais» conversas, não vemos o outro, escutamos, em voz alta, o ''eu'' . E tudo se soprepõe ao ruído do café, ao entrar e sair dos clientes, fica somente o nosso monólogo. Lembro-me de Vinicius de Moraes, no seu texto «Procura-se um amigo» onde ele escreve ''Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração.''E até para ser o nosso ''ouvidinho'' não precisa fazer nada, basta estar lá, sentado na nossa mesa do café, a uma quarta-feira, ou a uma terça-feira, ou sem pré-aviso. Nesses dias, a conversa solta-se, voa e é só isso que queremos fazer...conversar, esgotar, extenuar as palavras, sem medir as consequências, num prazer libertino de extravazar fronteiras, fantasiar o que não somos, rouparmo-nos de vontades, de projectos... «Em 2010, eu vou...» numa promessa estéril que sabemos que não se vai cumprir. Bebemos o café, sabe a pouco, pedimos outro, não porque nos apeteça, mas porque queremos prolongar as «tais» conversas, acendemos paulatinamente um cigarro e outro. A conversa recomeça, ainda não tinha acabado, continua sem se avistar o seu fim, porque não tem fim, porque não queremos que tenha fim. Como agora... uma conversa que não sei como terminar, porque não quero que expire. Mas é só uma conversa, uma conversa de café.
Termino com Vinicius...
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«Procura-se um Amigo», de Vinicius de Moraes.
«Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.»
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.»
4 comentários:
Ah, gostei!Muito...
Conversas... sempre. Ao sabor de dois cafés, ou apenas de um. Conversas de 2010; em 2011, outras virão; outras vontades, os mesmos votos.
Obrigada, Keta.
Maria,
é..2010 terminou... outros virão, outras conversas nascerão. O próximo ano virá com as folhas das vindimas e com elas o sumo de outras conversas.
E ainda viste o anel!!! pois é, o anel!!!! rrrssss... até ele poderia dar uma linda conversa de café, sobretudo porque os adoras.
Beiijinhos, Maria.
Gostei muito, muito...
Hmmm... esse anel é bonito! Conheço alguém que tem um igual! ;-)
Rssssrsrssss... denunciada pelo anel !!!ohhhhhhhhhh... este anel já está famoso. Desde que entrou na blogoesfera, já há interessados.
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